Não faz tanto tempo li o best seller do historiador americano Geoffrey Blainey, chamado “Uma breve história do mundo”, 335 páginas com a nada modesta pretenção de fazer um resumo dos milhões de anos que nos trouxeram até aqui.

É um bom livro, pois consegue traçar um panorama geral dos mais importantes acontecimentos históricos numa linguagem leve, que aproxima o livro mais do lazer do que da academia. Até mesmo porque a academia jamais aceitaria reduzir 300 milênios em 300 páginas.

Mas no final, acaba deixando um gostinho de pastel de vento na boca, sacia o desejo mas não alimenta.

Faz uns dois anos comecei a ver na lista de mais vendidos o livro Sapiens, de um israelense de nome quase impronunciável, Yuval Noah Harari. A insistência da permanência nos primeiros postos dos mais vendidos me chamou a atenção, mas o subtítulo me afastava da compra: uma breve história da humanidade.

– Mais um livro caça níquel, pensei. E o triunfo na lista dos mais vendidos funcionou para mim como um atestado consciente de qualidade duvidosa (e inconsciente de preconceito e arrogância).

Mas fui sendo lentamente vencido pelo testemunho de amigos, que vomitavam juras de amor ao conteúdo.

Acabei de ler as suas quase 500 páginas, ou os quase 600k, porque li a versão ebook.

Inveja, todos sabemos, é um sentimento um bocado negativo, mas sou obrigado a admitir que senti inveja do autor. Como um cara de trinta e poucos anos de idade foi capaz de produzir uma obra tão abrangente quanto essa, que flerta com todos os campos possíveis das ciências humanas?

E como ele conseguiu a proeza de “resumir” os milhões de anos que nos trouxeram até aqui, fazendo tantas associações inusitadas e provocativas?

Talvez um dos principais pontos fortes do livro tenha sido a capacidade de costurar uma gama aparentemente inconciliável de assuntos num fio condutor crítico, reflexivo, provocativo sem ser panfletário e inovador sem ter que recorrer a teorias implausíveis. Conseguiu amalgamar profundidade e leveza numa obra de fôlego, o que é notável.

Além da narrativa poderosa (no fundo ele conta histórias que ouvimos desde crianças, mas de um jeito que inquieta nossos espíritos) ele fez uma escolha que é o principal traço distintivo em relação ao livro de Geoffrey: ao invés de focar na História do Mundo, ele traz para o palco central a espécie humana, com todas suas conquistas, derrotas e pilhagens, que nos tornaram senhores do universo, aniquilando todas as forças que nos domaram em nossa longa trajetória na terra, e condicionando o resto do planeta (natureza, recursos, plantas, animais) ao que melhor nos convém.

Uma de suas teorias é um bocado polêmica, a de que a Revolução da Agricultura foi uma grande cilada para a Humanidade, e que seus benefícios futuros (que hoje desfrutamos) foram apenas um efeito colateral improvável dessa revolução.

Há momentos em que o autor chafurda em areia movediça, no limiar do discurso político, mas logo pula para o outro lado do balcão e metralha sem dó o absolutismo de qualquer certeza.

Nos capítulos finais, o autor flerta com o futuro disruptivo a nossa frente, numa névoa onde não se consegue divisar muito bem a distopia da utopia, num claro preludio para sua obra seguinte, Homo Deus, que já comprei, mas ainda não li.

Se você gosta de livros, de história, de filosofia, e acha fascinante a saga humana na Terra, Sapiens é uma sábia escolha. Boa leitura!